Tentei puxar a memória ao máximo e lembrar qual foi a primeira vez que eu falei de mim. E foi então que me dei conta que somos ensinados a falar de nós mesmos desde pequenos, já que lembro de falar sobre isso na escola: o meu nome, a minha idade, o nome dos meus pais e do meu irmão. Com o passar dos anos, vamos aumentando este repertório e começamos a incluir detalhes. Onde moramos, o que gostamos de comer, qual nosso esporte favorito…
Em um certo ponto, acho que lá pela adolescência, comecei a omitir alguns detalhes nas minhas apresentações. Não que eu mentisse, mas buscava destacar o que havia de melhor em mim, ou se não achasse nada de tão melhor, pelo menos não costumava falar sobre o que eu não queria que as pessoas soubessem a meu respeito.
A primeira vez que de fato fiz isso de maneira consciente, foi quando criei o meu perfil em uma rede social e naquela época, já mais velha, eu pensei com clareza e propositalmente: O que eu quero que as pessoas saibam sobre mim? E essa pergunta esteve comigo muitos anos depois disso, já que me dei conta de que a gente tem esse lado de contar só um pequeno lado de quem somos, e esconder uma grande parte. São verdades sobre nós mesmos que ainda não conseguimos lidar, verdades que não gostamos de admitir, sentimentos que não nos orgulhamos de sentir, fracassos que não queremos contar.
Meu nome é Fabiana, tenho 38 anos e sou casada. Não tenho filhos, nem cachorro, mas um dia, quem sabe, gostaria de ter um. Moro em um pequeno apartamento próximo do meu trabalho, numa região movimentada, poluída e barulhenta, mas gosto deste pequeno caos da cidade grande.
Sempre gostei de ler, e comecei a escrever pequenos textos para conseguir lidar com sentimentos que não conseguia expressar. Uma espécie de diário. Sem grandes ambições. Entrei neste curso porque preciso aprimorar minha escrita para o meu trabalho, e há um tempo costumava receber e ler e-mails da professora desse curso, e sempre amei o jeito que ela tinha de me prender num texto grande.
Aos 24 anos eu passei pelo momento mais difícil da minha vida, e isso mudou completamente quem eu sou e a minha perspectiva de futuro. Eu era casada com o meu primeiro amor, meu primeiro namorado, e tinha um plano secreto de passar a vida ao lado dele. Até que uma leucemia apareceu no meio da história e arrancou um pedaço bem grande do meu coração. Ele se foi para sempre, mas não depois de um processo de idas e vindas de hospital, não depois de uma luta desleal pela vida. Foi devastador. Eu achei que não ia conseguir superar, e na verdade eu também não queria. Uma parte de mim achava que seguir a vida era tão injusto, significaria esquecê-lo e eu não queria deixar que aquilo se apagasse em mim. Preciso confessar que aquela perda me fez sentir muito fracassada.
Com a ajuda de Deus a ferida foi cicatrizando, a saudade tão doída foi ficando mais densa, mais enraizada, mas essa história até hoje ainda é difícil de contar. E não é sempre que eu consigo falar dela sem que uma lágrima escorra pelo cantinho dos meus olhos. Certeza de que recebi ajuda do Alto, pois conheci um amigo que conseguia me enxergar bem dentro da alma, sem eu precisar falar muita coisa. Ele me fez rir depois de muito tempo de seriedade, me fez companhia, e esteve ao meu lado, só pelo prazer de estar próximo a mim. Ele me segurou pela mão e caminha comigo há 07 anos.
Eu não gosto muito de falar deste pedaço da minha vida. E por muito tempo eu simplesmente pulava essa parte. É uma história triste, terrível, dolorida e verídica. Assim como a vida muitas vezes pode ser. Mas ao mesmo tempo, é uma história linda, profunda, sincera e verdadeira. E não sei o que as pessoas vão achar dela ou de mim, mas gostem ou não, é quem eu sou. E ainda bem que não sou mais uma adolescente que precisa omitir uma parte da sua vida para ser aceita.